quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Do apartamento pra um quarto - Dois cafés

Sua vida está ruim.  Talvez você nem perceba, mas todos os dias acorda de mau humor, fica desanimada rapidamente, reclama, se esconde no facebook, na TV, nas compras, nas festas. Na tentativa de fugir do que você mesma está tentando se mostrar. Você finge estar cega, surda. Adoece, tem dor de cabeça frequente. Está sempre cansada. Dorme demais ou de menos. Come demais ou de menos. Não sabe como respira. Como senta. Como come. O que come. O que sente. O que pensa. Simplesmente não sabe. Não saber parece mais fácil, e por um tempo pode até ser. Você pode até achar que está exercendo sua liberdade, mas na verdade está só cada vez mais presa às armadilhas da vida industrializada. O que o Alex Castro chama de prisões.

Eu vivi algumas dessas situações por algum tempo. Sem perceber. Às vezes a gente acha que a vida é isso mesmo. Afinal, tudo parece tão difícil e moroso. Mas em algum momento eu passei a me perceber. A me escutar, a me ver. A me interpretar. O corpo mandava sinais do que a mente pensava e o coração sentia. E eu, que me achava conectada comigo mesma, me vi tão distante. Numa vida tão distante do que eu gostaria. Cheias de mimimi comigo mesma. Mimimis que não me levaram a lugar nenhum. Até que...

Até que percebi que não precisava ser assim. Afinal, quem é dona da minha vida? Quem pode mudar e fazer acontecer? Se as coisas não estavam boas, mimimis é que não iam resolver. Sair da postura de vítima e ser ativa no processo contínuo da construção de mim mesma revolucionou minha vida. Primeiro foi a decisão difícil tomada conjuntamente: meu companheiro sair de um emprego de funcionário público federal que era em outra cidade e que implicava em viagens desgastantes emocionalmente para todos nós três. Isso implicou na mudança de casa.

De um apartamento de três quartos para um quarto no quintal da casa da sogra. Vender coisas, doar, jogar fora. Praticar o desapego de uma maneira nunca antes pensada. Lembrei dos amigos que fora pro Canadá sem levar quase nada, da amiga que mudou de cidade só com a roupa do corpo... Passei a entender melhor o minimalismo e as necessidades criadas. Entender quanto ao impacto qualitativo que isso tem na nossa vida. Já vi muitas pessoas dizerem que se sentiram livres vivendo só com o que consideravam o essencial, e que era muito pouco. E realmente pude perceber isso na prática. Uma coisa significativa foi a quantidade de roupas. Antes tínhamos um guarda-roupa de 3 portas + uma cômoda para acomodar roupa de cama, banho e vestuário dos três. E aí tivemos que nos adaptar para um guarda-roupa minúsculo de 3 portas pra tudo isso pros três. Foi incrível perceber como realmente dá pra viver com muito menos. Por exemplo: antes tinha muitas toalhas. Nem sei quantas. Agora a quantidade foi pensada. Somos 3, então precisamos de no mínimo 6 toalhas. Quando três estão lavando, 3 estão em uso. A mesma coisa para o jogo de cama. Só temos uma cama. Então temos: 3 lençóis de elástico + 6 fronhas + 4 lençóis (Cauã não usa lençol). E os sapatos? Eu reduzi os meus para: 1 havaiana + 1 sandália arrumadinha + 1 sapato fechado (eu não tenho necessidade de tênis). Nas roupas foi melhor ainda. Doamos muita, muita, muita coisa. O sentimento é incrível. Outra coisa foi material de artesanato. Eu tinha muitas coisas, mas acabei doando para amigas artesãs, porque nunca encontro o tempo para fazer os projetos e estava me tornando uma acumuladora. Ainda assim guardei muitos materiais porque tenho o apego emocional e a esperança de ainda fazer o projeto. Ainda não contei o número de peças no guarda roupa, mas devo fazer isso em breve.
Nunca tinha pensado sobre essas coisinhas. São coisas pequenas que ocupam espaços e criam demandas que levam nosso tempo. Com o minimalismo ficou mais fácil limpar, organizar e ver o que temos. E agora quando chego num ambiente cheio de coisas, fico me perguntando o que a pessoa levaria se tivesse que passar por algo assim.
Nós decidimos como queremos nossas vidas. E esse modelo posto não tá bom pra ninguém. Se o dia a dia estiver como na música da Tulipa Ruiz – Dois Cafés, está na hora de repensar e ressignificar a vida.

Tem que correr, correr
Tem que se adaptar
Tem tanta conta e não tem grana pra pagar
Tem tanta gente sem saber como é que vai
Priorizar
Se comportar
Ter que manter a vida mesmo sem ter um lugar
Daqui pra frente o tempo vai poder dizer
Se é na cidade que você tem que viver
Para inventar família, inventar um lar
Ter ou não ter
Ter ou não ter
Ter ou não ter
O tempo todo livre pra você
O banco, o asfalto, a moto, a britadeira
Fumaça de carro invade a casa inteira
Algum jeito leve você vai ter que dar
Sair pra algum canto, levar na brincadeira
Se enfia no mato, na cama, na geladeira
Ter algum motivo para se convencer
Que o tempo vai levar
Que o tempo pode te trazer
Que as coisas vão mudar
Que as coisas podem se mexer
Vai ter que se virar para ficar bem mais normal
Vai ter que se virar para fazer o que já é
Bem melhor, menos mal, menos mal
Mais normal
Tem que correr, correr
Tem que se adaptar
Tem tanta conta e não tem grana pra pagar
Tem tanta gente sem saber como é que vai
Priorizar
Se comportar
Ter que manter a vida mesmo sem ter um lugar
O banco, o asfalto, a moto, a britadeira
Fumaça de carro invade a casa inteira
Algum jeito leve você vai ter que dar
Sair pra algum canto, levar na brincadeira
Se enfia no mato, na cama, na geladeira
Ter algum motivo para se convencer
Que o tempo vai levar
Que o tempo pode te trazer
Que as coisas vão mudar
Que as coisas podem se mexer

Vai ter que se virar para ficar bem mais normal
Vai ter que se virar para fazer o que já é
Bem melhor, menos mal, menos mal
Mais normal

Um comentário:

  1. Que legal Gabriella! Nem sou das mais sapateiras, mas fiquei impressionada como vc conseguiu minimizar tanto! Venho de uma tendência familiar um pouco acumuladora mas acho isso tudo que você disse muito muito bacana! Realmente se desapegar dos objetos deixa a gente mais livre pra ser.

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