Seguindo a série sobre a amamentação, a partir dos resultados da mini pesquisa, elaborei umas perguntas e hoje temos uma entrevista com Rosário Bezerra: doula, consultora em lactação, fonoaudióloga e mãe de duas meninas lindas - da Giane, que mamou até 1a e 2m e da Manu, que tem 1 ano e 10 m e mama sem data pra parar!
Ela me ajudou muito no início da minha amamentação, e a entrevista está pra lá de esclarecedora! Já vou avisando que me emocionei no final!
Muito obrigada pelo cuidado e por ter topado participar Rô! :)
Quem tiver mais dúvidas, posta nos comentários que a gente vai tentando construir o conhecimento juntos!
1) O que é uma consultora em lactação?
Um dos principais pré-requisitos
para se tornar uma consultora em lactação é amar e acreditar na perfeita
natureza do nosso corpo, enxergando na amamentação muito mais do que valores
nutricionais. Alie-se a isso uma boa experiência pessoal com aleitamento
materno, formação prévia na área de saúde e cursos de capacitação atualizados e
alinhados com os princípios de acolhimento, humanização e com base em
evidências científicas, respeitando as recomendações da Organização Mundial da
Saúde e a Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes
(NBCAL).
2) Na minipesquisa, apenas duas mulheres relataram não ter nenhuma
dificuldade para amamentar. Na sua prática você também encontra isso? Por que
essa dificuldade é tão comum no início da amamentação?
A amamentação tem um peso
cultural muito grande. Por muitos anos fomos levados a acreditar que o leite
materno poderia ser substituído por leites artificiais e a indústria de leites
soube usar do poder econômico para nos convencer de que a mamadeira era um
método muito mais prático e seguro para alimentar as crianças. Gerações de mais
gerações de bebês sendo alimentados de forma artificial, com mulheres acreditando
na fórmula mágica e engordativa (o mito do bebê gordo como referência de saúde).
Ainda hoje muitas mães sofrem terrível pressão da sociedade com ideias falsas
de leite fraco, pouco leite, bebês muito gulosos que só saciam depois de uma
mamadeira com engrossantes.
Outra vertente que acentua estas
dificuldades está relacionada a medicalização do parto, a procedimentos
invasivos e que não privilegiam o contato imediato entre mãe e bebê. O parto
visto como uma doença que precisa de cura.
3) Rachadura, assadura e sangramento dos mamilos foram as dificuldades
mais citadas. Por que isso acontece? Existe alguma maneira de se prevenir?
Todos esses problemas residem na
díade posicionamento-pega correta. Existem várias posições para amamentar com
conforto e segurança, mas em todas elas os bebês tem que estar alinhados ao
corpo da mãe e com a pega corrigida. Se estes detalhes não forem observados e
cuidados, está aberta a porta para o surgimento dos traumas mamilares. A
prevenção e o tratamento para os traumas estão na correção da posição do bebê
em relação ao corpo da mãe e à pega correta onde a maior parte da aréola
precisa ser abocanhada durante as mamadas (e não somente o bico), com os lábios
virados para fora. Sinais importantes de pega errada incluem barulhos e
estalos durante as mamadas e bochechas encovadas. A mulher também sente muita
dor durante toda a mamada. Havendo qualquer um destes sinais, é importante
reiniciar a mamada atentando para os detalhes que indicam uma boa pega.
4) Em alguns relatos as mulheres relatam que o leite era pouco ou que o
leite de repente “acabou”. Por que isso acontece? Existe alguma maneira de
reverter o quadro?
Uma das consequências da pega
incorreta é a estimulação inadequada da mama o que pode levar o bebê a extrair
menos leite do que ele precisa. Daí essa impressão de pouco leite ou leite
fraco já que o leite posterior, com maior concentração de gordura, não será
alcançado.
5) “[...] queria mamar em menos de duas horas, parecia que ela nunca
estava satisfeita.” As pessoas costumam dizer que se o bebê ainda chora de fome
ou mama com muita frequência, é porque o leite é fraco. Verdade ou mito? Existe
um intervalo ideal para as mamadas? Qual a importância da livre demanda para a amamentação?
Um ponto que ainda é erroneamente
propagado por profissionais da saúde diz respeito ao intervalo e duração das
mamadas. A recomendação de mamar em intervalos rígidos se configura num
grande perigo ao sucesso da amamentação. Bebês devem ser postos pra mamar
em livre demanda. Isso significa mamar quando e o quanto desejar, seja dia,
noite ou madrugada. O fato da maioria das crianças acordar muito de madrugada
leva os pais a acreditarem que esse despertar tem a ver com o leite fraco e
isso não é verdade. Durante a noite, os níveis do hormônio prolactina são
maiores e a produção do leite aumenta neste horário. A sábia natureza então
programou tudo fazendo com que os bebês ficassem mais tempo acordados no
horário em que a oferta de leite materno será maior. Com o tempo, essa demanda
e o ciclo sono-vigília se ajustam. Por isso é fundamental contar com uma rede
de apoio (família, amigos, grupos de mães, banco de leite) para que esta mãe
possa relaxar, confiar e, quando necessário, descansar durante as sonecas do
bebê se sentindo amparada e acolhida para se doar à maternagem.
6) Mulheres que precisaram se ausentar para trabalhar ou estudar
relataram dificuldade em ordenhar uma quantidade suficiente para deixar em
casa. Que dica você daria para mulheres nessa situação que não querem abrir mão
do leite materno e nem da amamentação?
Desde muito cedo, procurem por
ajuda especializada. A ordenha pode ser difícil no começo, mas as dicas de uma
consultora ou a ajuda de um banco de leite são de grande valia para a técnica
correta e eficiente de ordenha manual. Se ainda assim parecer difícil, pode
haver a necessidade de utilizar uma bomba extratora de leite indicada por
especialistas. Muitas das bombas tira-leite existentes no mercado são
inadequadas e, ao invés de ajudar, podem trazer mais problemas machucando a
região mamilar.
7) O bico do peito ser curto, plano ou invertido dificulta a pega
correta do bebê?
Ainda hoje perpetua a ideia de que
mamas com bicos protusos são as melhores para as mamadas e que bicos planos e
invertidos contra-indicam a amamentação. De forma alguma isso é verdade.
Primeiramente porque o bebê nunca deve mamar apenas no bico. A apreensão
durante a mamada deve contemplar quase toda a aréola a fim de evitar os já
citados traumas mamilares e a inadequada extração do leite. Já acompanhei bebês
com muita dificuldade de realizar a pega em mamas com bicos protusos como
também vi inúmeros bebês mamar maravilhosamente bem em mamas com bico plano
e/ou invertido. O certo é que, havendo dificuldades em qualquer dos casos,
deve-se buscar auxílio num banco de leite mais próximo ou acionar uma
consultora de lactação.
8) Seis das onze mulheres em algum momento utilizaram o leite
artificial. O uso de leite artificial está relacionado ao desmame precoce? Por
quê?
Totalmente. Existem vastos
estudos que apontam a relação entre o desmame precoce (e aqui faço um parêntese
para explicar que se considera desmame precoce qualquer amamentação
interrompida antes de 02 anos de idade, que é a idade mínima preconizada pela
OMS e MS para prática da amamentação) e o uso de bicos artificiais, seja
através da sucção nutritiva com o uso de mamadeiras, seja pela sucção
não-nutritiva com o uso de chupetas. E a questão é bem simples de entender
porque não importa o tipo de bico (ortodôntico, anatômico, silicone). A indústria
sempre tentará dizer que existem mamadeiras e chupetas que simulam o peito, mas
isso é impossível. Na mamadeira o bebê utiliza o músculo bucinador, que não
deve ser muito utilizado na amamentação. Ao contrário, na mama o bebê deve
utilizar os músculos masseter, temporal e pterigóideo medial. Músculos que
estão se preparando desde já para realizar as funções de mastigação. Na chupeta
e na mamadeira o músculo trabalhado é o bucinador. Com a ativação provocada
pelo uso dos bicos artificiais ele ficará hipertônico (com o tônus aumentado) e
promoverá pressão contra o palato duro (céu da boca), que ficará alto e
prejudicará a erupção dentária provocando ainda, a respiração oral e as outras
tantas implicações que essa respiração proporciona aos bebês.
9) Existe algum benefício da amamentação para a saúde da mulher?
Só para elencar alguns:
recuperação mais rápida do peso anterior à gestação, menor sangramento no
pós-parto e menos risco de hemorragias, proteção adicional contra a anemia,
menos casos de depressão pós-parto, menos risco de câncer de mama e de ovário e
economia com os gastos relacionados a alimentação e internações com o bebê.
10) E há algum malefício?
Não.
11) E para o bebê?
Existem condições raras
em que a amamentação pode estar contra-indicada. São elas: Lactentes com galactosemia clássica: é necessário
uma fórmula especial isenta de galactose.
Lactentes com doença da urina de xarope do bordo: é necessário uma
fórmula especial livre de leucina, isoleucina ou valina.
Lactentes com fenilcetonúria: é necessário uma fórmula especial
isenta de fenilalanina (alguma amamentação é possível, sob monitoramento
cuidadoso).
Aqui no Brasil, por
existir alternativas de alimentação
aceitável, factível, acessível, sustentável e segura (AFASS), o
aleitamento está contra-indicado nas mulheres soropositivas.
12) Oito das onze mulheres passaram por cesárea. Sabe-se que a taxa de
cesárea no Brasil está muito acima do recomendado pela Organização Mundial da
Saúde. Há alguma relação entre a via de parto e a amamentação?
Sim, há esta relação em que os
estudos apontam maior dificuldade para iniciar o aleitamento nas primeiras doze
horas, que são as cruciais na recuperação da cirurgia. No entanto, estando
essas mulheres amparadas, seguradas e empoderadas, a primeira mamada pode e
deve ser incentivada ainda no centro cirúrgico e, todas as vezes que o bebê
sinalizar que deseja ser amamentado. É muito frequente, e desnecessário, o uso
de complemento nas primeiras horas de vida destes bebês nascidos por cesariana.
Uma boa política de incentivo à amamentação dentro das maternidades e o
adequado treinamento de toda equipe no manejo clínico da lactação, reduziriam
em mais de 90% estas prescrições.
13) Para finalizar, qual a mensagem que você deixa para mães que estão
passando por dificuldade na amamentação?
Deixo a poesia de um grande
mestre, o pediatra e poeta Luis Alberto Mussa Tavares, que sabe transformar o
ato em palavras que encantam e tocam os nossos corações:
O colo é
o que vicia.
O abraço.
A
expressão de alegria
Que a
mamãe exala.
A luz
baixa da sala
Na hora
de amamentar,
As
tradicionais canções de ninar,
A poesia
do amamentar vicia
Porque
poesia também pode viciar.
O apoio
do pai,
O olhar
do irmão,
O som do
batucar do coração
Materno,
O leite
que sai
Numa
imensa ocitocinica ejeção,
Sabendo-se
que não existe nada mais moderno,
E a mais
atual das tecnologias
Tenta
copiar
Mas não
copia,
Isso
também vicia...
A
temperatura agradável,
A
quantidade suficiente,
A sucção
auto regulável
De um
sistema estomatognático inteligente
Que suga,
deglute e respira
Em
harmonia
Surpreendente,
Isso
também vicia,
Gente...
E o
crescimento
Harmônico,
Completo,
Absoluto,
Verdadeiro
Alimentando
há um milhão de anos o mundo inteiro
Sem
precisar de upgrades,
Sem
precisar de recalls,
Sem
perder a garantia,
Isso
também vicia...
Os cientistas
procuram em laboratórios
Por
feitos notórios
E fatos
baseados em evidencias
E não
percebem a verdade escancarada
O leite
materno é uma formula encantada
Desafiando
todas as ciencias
E quer
saber o que há nele que vicia?
É o amor,
que nunca se esvazia...
É o amor
e suas reticencias...
Luís
Alberto Mussa Tavares
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