quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Amamentação Parte II - entrevista

Seguindo a série sobre a amamentação, a partir dos resultados da mini pesquisa, elaborei umas perguntas e hoje temos uma entrevista com Rosário Bezerra: doula, consultora em lactação, fonoaudióloga e mãe de duas meninas lindas - da Giane, que mamou até 1a e 2m e da Manu, que tem 1 ano e 10 m e mama sem data pra parar!
Ela me ajudou muito no início da minha amamentação, e a entrevista está pra lá de esclarecedora!   Já vou avisando que me emocionei no final! 
Muito obrigada pelo cuidado e por ter topado participar Rô! :)
Quem tiver mais dúvidas, posta nos comentários que a gente vai tentando construir o conhecimento juntos! 

1) O que é uma consultora em lactação?
Um dos principais pré-requisitos para se tornar uma consultora em lactação é amar e acreditar na perfeita natureza do nosso corpo, enxergando na amamentação muito mais do que valores nutricionais. Alie-se a isso uma boa experiência pessoal com aleitamento materno, formação prévia na área de saúde e cursos de capacitação atualizados e alinhados com os princípios de acolhimento, humanização e com base em evidências científicas, respeitando as recomendações da Organização Mundial da Saúde e a Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes (NBCAL).
2) Na minipesquisa, apenas duas mulheres relataram não ter nenhuma dificuldade para amamentar. Na sua prática você também encontra isso? Por que essa dificuldade é tão comum no início da amamentação?
A amamentação tem um peso cultural muito grande. Por muitos anos fomos levados a acreditar que o leite materno poderia ser substituído por leites artificiais e a indústria de leites soube usar do poder econômico para nos convencer de que a mamadeira era um método muito mais prático e seguro para alimentar as crianças. Gerações de mais gerações de bebês sendo alimentados de forma artificial, com mulheres acreditando na fórmula mágica e engordativa (o mito do bebê gordo como referência de saúde). Ainda hoje muitas mães sofrem terrível pressão da sociedade com ideias falsas de leite fraco, pouco leite, bebês muito gulosos que só saciam depois de uma mamadeira com engrossantes.
Outra vertente que acentua estas dificuldades está relacionada a medicalização do parto, a procedimentos invasivos e que não privilegiam o contato imediato entre mãe e bebê. O parto visto como uma doença que precisa de cura.
3) Rachadura, assadura e sangramento dos mamilos foram as dificuldades mais citadas. Por que isso acontece? Existe alguma maneira de se prevenir?
Todos esses problemas residem na díade posicionamento-pega correta. Existem várias posições para amamentar com conforto e segurança, mas em todas elas os bebês tem que estar alinhados ao corpo da mãe e com a pega corrigida. Se estes detalhes não forem observados e cuidados, está aberta a porta para o surgimento dos traumas mamilares. A prevenção e o tratamento para os traumas estão na correção da posição do bebê em relação ao corpo da mãe e à pega correta onde a maior parte da aréola precisa ser abocanhada durante as mamadas (e não somente o bico), com os lábios virados para fora. Sinais importantes de pega errada incluem barulhos e estalos durante as mamadas e bochechas encovadas. A mulher também sente muita dor durante toda a mamada. Havendo qualquer um destes sinais, é importante reiniciar a mamada atentando para os detalhes que indicam uma boa pega.
4) Em alguns relatos as mulheres relatam que o leite era pouco ou que o leite de repente “acabou”. Por que isso acontece? Existe alguma maneira de reverter o quadro?
Uma das consequências da pega incorreta é a estimulação inadequada da mama o que pode levar o bebê a extrair menos leite do que ele precisa. Daí essa impressão de pouco leite ou leite fraco já que o leite posterior, com maior concentração de gordura, não será alcançado.
5) “[...] queria mamar em menos de duas horas, parecia que ela nunca estava satisfeita.” As pessoas costumam dizer que se o bebê ainda chora de fome ou mama com muita frequência, é porque o leite é fraco. Verdade ou mito? Existe um intervalo ideal para as mamadas? Qual a importância da livre demanda para a amamentação?
Um ponto que ainda é erroneamente propagado por profissionais da saúde diz respeito ao intervalo e duração das mamadas. A recomendação de mamar em intervalos rígidos se configura num grande perigo ao sucesso da amamentação. Bebês devem ser postos pra mamar em livre demanda. Isso significa mamar quando e o quanto desejar, seja dia, noite ou madrugada. O fato da maioria das crianças acordar muito de madrugada leva os pais a acreditarem que esse despertar tem a ver com o leite fraco e isso não é verdade. Durante a noite, os níveis do hormônio prolactina são maiores e a produção do leite aumenta neste horário. A sábia natureza então programou tudo fazendo com que os bebês ficassem mais tempo acordados no horário em que a oferta de leite materno será maior. Com o tempo, essa demanda e o ciclo sono-vigília se ajustam. Por isso é fundamental contar com uma rede de apoio (família, amigos, grupos de mães, banco de leite) para que esta mãe possa relaxar, confiar e, quando necessário, descansar durante as sonecas do bebê se sentindo amparada e acolhida para se doar à maternagem.
6) Mulheres que precisaram se ausentar para trabalhar ou estudar relataram dificuldade em ordenhar uma quantidade suficiente para deixar em casa. Que dica você daria para mulheres nessa situação que não querem abrir mão do leite materno e nem da amamentação?
Desde muito cedo, procurem por ajuda especializada. A ordenha pode ser difícil no começo, mas as dicas de uma consultora ou a ajuda de um banco de leite são de grande valia para a técnica correta e eficiente de ordenha manual. Se ainda assim parecer difícil, pode haver a necessidade de utilizar uma bomba extratora de leite indicada por especialistas. Muitas das bombas tira-leite existentes no mercado são inadequadas e, ao invés de ajudar, podem trazer mais problemas machucando a região mamilar.
7) O bico do peito ser curto, plano ou invertido dificulta a pega correta do bebê?
Ainda hoje perpetua a ideia de que mamas com bicos protusos são as melhores para as mamadas e que bicos planos e invertidos contra-indicam a amamentação. De forma alguma isso é verdade. Primeiramente porque o bebê nunca deve mamar apenas no bico. A apreensão durante a mamada deve contemplar quase toda a aréola a fim de evitar os já citados traumas mamilares e a inadequada extração do leite. Já acompanhei bebês com muita dificuldade de realizar a pega em mamas com bicos protusos como também vi inúmeros bebês mamar maravilhosamente bem em mamas com bico plano e/ou invertido. O certo é que, havendo dificuldades em qualquer dos casos, deve-se buscar auxílio num banco de leite mais próximo ou acionar uma consultora de lactação.
8) Seis das onze mulheres em algum momento utilizaram o leite artificial. O uso de leite artificial está relacionado ao desmame precoce? Por quê?
Totalmente. Existem vastos estudos que apontam a relação entre o desmame precoce (e aqui faço um parêntese para explicar que se considera desmame precoce qualquer amamentação interrompida antes de 02 anos de idade, que é a idade mínima preconizada pela OMS e MS para prática da amamentação) e o uso de bicos artificiais, seja através da sucção nutritiva com o uso de mamadeiras, seja pela sucção não-nutritiva com o uso de chupetas. E a questão é bem simples de entender porque não importa o tipo de bico (ortodôntico, anatômico, silicone). A indústria sempre tentará dizer que existem mamadeiras e chupetas que simulam o peito, mas isso é impossível. Na mamadeira o bebê utiliza o músculo bucinador, que não deve ser muito utilizado na amamentação. Ao contrário, na mama o bebê deve utilizar os músculos masseter, temporal e pterigóideo medial. Músculos que estão se preparando desde já para realizar as funções de mastigação. Na chupeta e na mamadeira o músculo trabalhado é o bucinador. Com a ativação provocada pelo uso dos bicos artificiais ele ficará hipertônico (com o tônus aumentado) e promoverá pressão contra o palato duro (céu da boca), que ficará alto e prejudicará a erupção dentária provocando ainda, a respiração oral e as outras tantas implicações que essa respiração proporciona aos bebês.
9) Existe algum benefício da amamentação para a saúde da mulher?
Só para elencar alguns: recuperação mais rápida do peso anterior à gestação, menor sangramento no pós-parto e menos risco de hemorragias, proteção adicional contra a anemia, menos casos de depressão pós-parto, menos risco de câncer de mama e de ovário e economia com os gastos relacionados a alimentação e internações com o bebê.
10) E há algum malefício?
Não.
11) E para o bebê?
Existem condições raras em que a amamentação pode estar contra-indicada. São elas: Lactentes com galactosemia clássica: é necessário uma fórmula especial isenta de galactose.
Lactentes com doença da urina de xarope do bordo: é necessário uma fórmula especial livre de leucina, isoleucina ou valina.
Lactentes com fenilcetonúria: é necessário uma fórmula especial isenta de fenilalanina (alguma amamentação é possível, sob monitoramento cuidadoso).
Aqui no Brasil, por existir alternativas de alimentação aceitável, factível, acessível, sustentável e segura (AFASS), o aleitamento está contra-indicado nas mulheres soropositivas.
 12) Oito das onze mulheres passaram por cesárea. Sabe-se que a taxa de cesárea no Brasil está muito acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Há alguma relação entre a via de parto e a amamentação?
Sim, há esta relação em que os estudos apontam maior dificuldade para iniciar o aleitamento nas primeiras doze horas, que são as cruciais na recuperação da cirurgia. No entanto, estando essas mulheres amparadas, seguradas e empoderadas, a primeira mamada pode e deve ser incentivada ainda no centro cirúrgico e, todas as vezes que o bebê sinalizar que deseja ser amamentado. É muito frequente, e desnecessário, o uso de complemento nas primeiras horas de vida destes bebês nascidos por cesariana. Uma boa política de incentivo à amamentação dentro das maternidades e o adequado treinamento de toda equipe no manejo clínico da lactação, reduziriam em mais de 90% estas prescrições.
13) Para finalizar, qual a mensagem que você deixa para mães que estão passando por dificuldade na amamentação?
Deixo a poesia de um grande mestre, o pediatra e poeta Luis Alberto Mussa Tavares, que sabe transformar o ato em palavras que encantam e tocam os nossos corações:

O colo é o que vicia.
O abraço.
A expressão de alegria 
Que a mamãe exala.
A luz baixa da sala
Na hora de amamentar,
As tradicionais canções de ninar,
A poesia do amamentar vicia
Porque poesia também pode viciar.


O apoio do pai,
O olhar do irmão,
O som do batucar do coração 
Materno,
O leite que sai
Numa imensa ocitocinica ejeção,
Sabendo-se que não existe nada mais moderno,
E a mais atual das tecnologias
Tenta copiar
Mas não copia,
Isso também vicia...


A temperatura agradável,
A quantidade suficiente,
A sucção auto regulável
De um sistema estomatognático inteligente
Que suga, deglute e respira
Em harmonia
Surpreendente,
Isso também vicia,
Gente...


E o crescimento
Harmônico,
Completo,
Absoluto,
Verdadeiro
Alimentando há um milhão de anos o mundo inteiro
Sem precisar de upgrades,
Sem precisar de recalls,
Sem perder a garantia,
Isso também vicia...

Os cientistas procuram em laboratórios
Por feitos notórios
E fatos baseados em evidencias
E não percebem a verdade escancarada
O leite materno é uma formula encantada
Desafiando todas as ciencias

E quer saber o que há nele que vicia?
É o amor, que nunca se esvazia...
É o amor e suas reticencias...


Luís Alberto Mussa Tavares

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