Tradução livre e adaptada de trechos da reportagem postada no The Telegraph em 24 de junho de 2015 por Judith Woods. Acesse o texto completo em inglês aqui.
Nota do Coletivo Maternar: quando falamos parteiras no Brasil, falamos de enfermeiras obstetras e obstetrizes. No exterior midwife é uma formação parecida com a da obstetriz no Brasil.
O obstetra francês Michel Odent acaba de escrever um novo livro intitulado: Nós precisamos de Parteiras?, onde ele afirma que o aumento da medicalização no parto está relacionado à perda da capacidade de parir, em detrimento da humanidade.
Odent fez de seu trabalho de vida testar e empurrar os limites. Nos anos em que coordenou uma unidade de maternidade em Paris e seu subsequente estabelecimento no Centro de Pesquisa em Saúde Primária em Londres ele introduziu ideias inovadoras que agora são tomadas como sábias.
Foi ele quem promoveu a ideia de partos na água e suítes com baixo aparato tecnológico, contato pele a pele após o parto e o incentivo a amamentação na primeira hora após o nascimento.
Dar ao seu novo livro um título provocativo é, começo a suspeitar, uma trama para incitar uma audiência que não está normalmente interessada nas políticas obstétricas. Sua argumentação é que precisamos mais que nunca das parteiras. Em particular, precisamos nos tornarmos "protetores do processo evolutivo", protegendo as mulheres de médicos que tentam intervir em partos, e assegurando que elas tem espaço e paz para parir naturalmente.
"Quando eu pergunto 'precisamos de parteiras?' é uma pergunta real", ele ressalta. "Se todos os partos são medicalizados, então que função uma parteira tem? Que tipo de parteira nós precisamos?"
O cenário ideal, diz Odent, é que a mulher dê a luz em um quarto escuro, quente e calmo, como única companhia uma parteira tricotando. Ele argumenta que é uma cena mais pragmática do que romântica: "Nós só descobrimos em Julho de 2014 que a melatonina, o hormônio do sono, tem um papel importante no parto e que é destruída pela luz, então ter luzes reduzidas é muito importante," ele diz. "Assim como também é o aspecto de tricotar; atividades repetitivas reduzem a adrenalina, que se presente, tem um efeito sutil na parturiente."
A cena que ele descreve é bastante contrária à cena comum de um parto em ambiente claro, cheio de gente e agitado. Pelo pensamento do obstetra, os princípios da medicina moderna - apesar de altruístas - estão minando um processo natural, resultando em muitas cesarianas, que tem resultado no que ele chama de uma "neutralização da seleção natural" indesejável.
"Não sou contra cesarianas, não mesmo. Fiz mais de mil delas; escrevi um artigo no Lancet destacando que muitas mulheres estão sendo largadas durante o trabalho de parto com dor por muitas horas quando uma cesariana de emergência seria preferível."
[...]
"Mas estou enxergando a longo prazo sobre como o aumento da medicalização irá afetar a humanidade e o resultado é que algum dia a maioria da via de parto será por cesariana. Precisamos olhar a frente e compreender as consequências. Eu não dou opiniões, eu afirmo fatos, mas às vezes esses fatos parecem incompatíveis com interesses e são culturalmente inaceitáveis."
Odent é pai de três e avô de três netos e faz perguntas desconfortáveis e filosóficas porém necessárias - sobre o que fazemos como espécie e como isso influencia a nós como indivíduos.
"Nos séculos anteriores as mulheres que eram capazes de parir tinham muitas crianças. Mulheres que não era, morriam no parto. Isso é um fato," ele diz. "Graças aos milagres da medicina moderna e da ciência reprodutiva, a maioria das mulheres que querem ter dois bebês, conseguem tê-los. Similarmente, mulheres que em outras épocas poderiam ter muitos filhos agora param em dois; isso é ótimo para as mulheres mas claro que tem um impacto geral." O impacto não é singular; bebês nascidos por via cirúrgica em um ambiente estéril ao invés de um canal de parto rico em micróbios, não tem a mesma oportunidade de desenvolver resistência às doenças. Bebês nascidos por cesariana tem cinco vezes mais chances de sofrerem alergias.
Mães que tiveram cesarianas ou que foram induzidas por drogas que imitam a ocitocina, o hormônio do amor que induzem sexo, amor, vínculo e a amamentação, não produzem a delas próprias, o que causa um efeito devastador na maneira que elas se vinculam às suas crias e às respostas dos bebês. Odent também acredita que exista uma relação entre o aumento de cesarianas e o aumento das taxas de autismo; pessoas autistas produzem menos do hormônio em questão.
"Meus livros não são para mulheres grávidas," diz Odent. "O tempo delas e muito precioso; elas deveriam estar apreciando a lua, cantando para o bebê e contemplando."
Ele expressa esse sentimento com tanta certeza que serve de lembrete que na França, ser filósofo é um trabalho real.
[...]
"As pessoas não são geneticamente programadas para pensar a longo prazo," diz Odent. "Quando uma mulher fala sobre esse assunto ela foca no próprio corpo, no próprio bebê. Estou falando de evolução humana e as pessoas preferem não olhar tanto pra frente."
Olhando o panorama geral os fatos parecem sustentar o que o obstetra diz - estudos mostram que mulheres que pariram entre 2002 e 2008 demoraram cerca de duas horas e meia a mais durante a primeira etapa do trabalho de parto do que aquelas que pariram entre 1959 e 1966.
Na Inglaterra em 2013-14, 26,2% dos partos eram por cesariana - o dobro da taxa registrada em 1990 - e 25% dos partos foram induzidos por substâncias como a ocitocina sintética.
A ocitocina natural, acredita Odent, permite que a mãe o bebê criem um vínculo muito forte nos dias seguintes ao parto.
Como há evidências de que esse primeiro vínculo permanece por todos os futuros relacionamentos, há um argumento que a humanidade altere isso criando um risco próprio.
Ao nosso redor, ele diz, temos evidências de que como sociedade estamos em perigo de perder o que ele chama de "a capacidade de amar". Pelo processo de evolução nossos sistemas de ocitocina começarão a falhar? E se sim, então o que faremos?
Se estamos cientes disso ou não, precisamos de pessoas que pensem e continuem fazendo perguntar desconfortáveis para o nosso próprio bem. O futuro da humanidade, não só das parteiras, poderiam literalmente estar nessas respostas.
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