quarta-feira, 16 de julho de 2014

Violência obstétrica não é drama, é realidade.

Sabe, uma das coisas que mais me feriu depois que publiquei meu relato nas redes, foi o fato de uma pessoa muito próxima a mim dizer que eu estava fazendo drama. Que meu filho tinha nascido bem e era isso que importava. Isso me doeu profundamente. Quando uma pessoa expõe seus sentimentos e a outra os menospreza é uma falta de humanidade, de compaixão, de amor e de respeito ao próximo. E sim, meu filho estava bem. Mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Meu bebê estava bem, mas eu não estava. Ter com quem contar fez toda a diferença pra mim.

Algumas pessoas se mostraram desinformadas e duvidosas sobre o relato da Maria* e da versão do médico Iaperi Araújo. Outras acham puro drama. Muitos alguéns disseram por aí: Eu não acredito que Iaperi tenha feito isso, ele é referência na universidade (o professor tem dedicação exclusiva na UFRN, apesar de ter atendido a paciente em um hospital particular de Natal). 

Pra vocês que pensam assim eu tenho algumas coisas pra falar. Você pode continuar na sua bolha de desinformação ou pode ler e procurar se posicionar de maneira mais consciente sobre o que aconteceu. As pessoas tem lados bons, mas tem lados bem ruins também. E geralmente eles se mostram quando a pessoa tem um poder legitimado. Seja quando ela está em casa e agride a família, seja quando está num hospital e agride uma mulher, como foi o caso.

Sobre a veracidade da história: fatos são fatos
O médico obstetra Iaperi Araújo publicou em seu perfil um desabafo antiético expondo o caso de uma paciente que era chamada pejorativamente de surtada e comedora de placenta. A história contada por ele parecia surreal demais pra ser verdade. Quando vi pensei: tenho certeza que essa mulher foi violentada. Espero que ela consiga justiça e que não fique calada.

Dias depois eu recebi a ligação de uma mulher muito abalada, dizia que queria conversar comigo porque achava que tinha sido vítima de violência obstétrica. Falou mais ou menos aos prantos o que acontecera e combinamos de ir até sua casa para conversarmos pessoalmente e para que eu pudesse dar as orientações possíveis. Não sabia que estaria diante do relato mais sofrido de violência obstétrica da minha vida até agora.

Faz cerca de dois anos somente que venho recebendo diversos relatos de violência obstétrica em nosso estado, em nome do Movimento pela Humanização do Parto e Nascimento. Esse foi sem sombra de dúvida o mais impactante.

Ela e a família começaram a me contar e entre pausas e questionamentos ficou nítido o quanto o caso tinha abalado a todos. Em diversos momentos do relato me segurei para não chorar e conseguir dar o apoio que julgava necessário. Dei as orientações cabíveis, expliquei a ela a necessidade de escrever um relato, tanto para expor sua versão, quanto para seu próprio processo de cura. Manteríamos contato dali em diante e ela poderia contar comigo.

Entrei no carro e chorei bastante. Fico sempre muito tocada com os relatos das mulheres, mas esse... era carregado de tanta violação, de tanto machismo, de tanta omissão de todos que ali estavam e que nada fizeram, de tanta falta de apoio de quem poderia ajudar... Estou desde então sem dormir direito, inquieta. Fico pensando se consigo lidar com tudo isso. As pessoas ao meu redor dizem que tenho que saber diferenciar o que é meu e o que não é, mas pra mim eu e ela estamos conectadas. Assim como todos nós estamos. E eu preciso encontrar uma maneira de mudar isso. Lembro claramente do momento em que decidir criar o Movimento, quando estava lá embaixo numa depressão e quando ainda escutava que a Promater tinha proibido a entrada de doulas depois de alguns partos naturais lindos. Busquei força no meu filho. E em outras mulheres. E lembro de uma frase que me motivou:

Quando eu me curo
Eu curo a outra

Eu ia lutar todos os dias para que nenhuma mulher precisasse passar pelo que passei. E foi isso que me motivou a me fortalecer novamente. Precisava encontrar meu eixo para seguir na luta.

Entrei em contato com as ativistas mais engajadas, com toda a blogosfera materna, com alguns blogs feministas. Contei o caso. Falei do relato, mas não o tinha em mãos. Torcia para que ela escrevesse, mas sabia do quanto escrever sobre o fato era um desafio emocional. Muitas mulheres me procuram, desabafam. Mas poucas conseguem seguir adiante para lidar com isso. Mas ela não. No dia combinado eu recebia o relato virtualmente. Rapidamente o repassei a quem poderia interessar. E então se formava a grande rede de apoio¹.

Então eu sou testemunha de que o que aconteceu aconteceu. Eu mais três ativistas que estão envolvidas com o amparo legal do caso. E uma jornalista. Sim, o caso aconteceu.

Sobre o anonimato
Mas por que ela não tem nome nem cara? Não aparece em nenhum lugar?
Obviamente se você faz essas perguntas, você precisa de mais solidariedade com o outro. Vou te colocar na seguinte situação: imagina que você sofreu um estupro. Você vai fazer o que? Colocar na rede social e sair contando pra todo o mundo? Mas por que você não faria isso? Não é uma situação agradável, não é? Não é uma situação que você queira reviver com essa frequência.

Agora imagina a situação da Maria*. Era o momento mais legal que ela poderia viver, o nascimento de seu filho. E esse momento foi roubado. Ela foi violentada, se sentiu abusada sexualmente. E mesmo assim cuida de seu filho 24h por dia como qualquer outra mãe no puerpério, lidando com todas as dificuldades naturalmente já impostas por essa fase. Mas além disso ela tem que lidar com pessoas insensíveis que emitem julgamento porque reconheceram ela pela publicação do médico Iaperi. A publicação teve sim repercussão negativa em sua vida.

Então não, ela não vai se expor mais ainda. Ela quer curtir o que lhe resta. E para ter voz ela não precisa ter cara. Todas nós mulheres damos voz a ela. E trabalharemos até que algum tipo de justiça seja feito. E vamos nos unir e nos fortalecer cada vez mais para mudar esse sistema.

Violência obstétrica não é drama, é realidade.
Mas depois de ler isso tudo pode ser que exista pessoas que acham que possa ter acontecido algo sim, mas que a história é muito dramática.

Xa eu falar uma coisa pra você: Violência obstétrica não é drama, é realidade.

Muitas mulheres nem sabem que sofreram violência obstétrica. Mas relatam sentirem uma memória ruim em relação ao parto. Nessa sociedade machista e nesse sistema patriarcal (sim, sou feminista e luto pela igualdade), com a interpretação pra lá de medieval do “parirás com dor”, a mulher que luta pela autonomia de seu corpo e de sua vida é taxada de surtada, com o objetivo de humilhá-la e deslegitimar seu poder de escolha.

Então, vou colocar algumas fontes confiáveis para você se informar e ver que violência obstétrica não é drama e que é uma realidade das maternidades públicas e privadas brasileiras. Ah, vale ressaltar que cesárea não salva ninguém de violência não tá? A violência obstétrica é institucional e de gênero. Ou seja, só por ser mulher é um fator de risco.
Vamos lá:
Não importa sua opinião pessoal sobre a mulher. Houve agressão, realização de procedimentos contrários às diretrizes do MS e da OMS, à portaria 371 e muita falta de respeito. Isso é uma violência. 


Mas se você ainda não ficou sensibilizado com o caso, faça o seguinte: fique grávid@ ou acompanhe alguém grávida que queira ter um parto natural, seguindo as recomendações da OMS, e diga que tem direito de decisão sobre seu corpo, que você quer respeito a sua autonomia e você terá uma grande probabilidade em testemunhar atos de violência obstétrica. Porque você está indo contra um sistema muito produtivo para a indústria do nascimento. Porque você depois vai ter que ir contra o corporativismo médico. Porque as pessoas esqueceram do que é prestar o cuidado. E a violência preenche as práticas rotineiras intervencionistas desses profissionais da assistência ao parto e nascimento.

Mas eu queria encontrar ela para dar um apoio
Deixe sua mensagem de apoio aqui: http://nosnaodormimos.tumblr.com/

E o que vocês estão fazendo?
Estamos em rede de apoio. A Lígia, do Cientista que virouMãe e as mulheres da Artemis estão coladinhas com o caso para ter encaminhamento, como o ocorrido com o caso de Adelir. Uma denúncia já foi entregue e acompanharemos o encaminhamento.

Você sabia?
O médico Iaperi (que disse que ia deixar a obstetrícia #torcemos) tem um processo no passado. Ele foi acusado pela morte de um bebê pelo uso de fórceps.

¹O Movimento pela Humanização do Parto e Nascimento no Brasil tem uma força muito grande, porque trabalha em rede. Se você sofreu violência obstétrica em Natal e se sente preparada para denunciar, denuncie. Você não está só. É extremamente essencial que a violência obstétrica saia da invisibilidade. Precisamos mudar essa realidade, todos os dias. Se você testemunhar alguma violência também, não fique calado. Ajude a fazer uma sociedade de paz.


Juntas somos mais fortes


domingo, 13 de julho de 2014

O reencontro, a roupa e a força

Você descobre a gravidez, a barriga cresce, as roupas deixam de caber e mudam. O bebê nasce e você passa os primeiros meses sem nem olhar direito pra você. Algumas passam anos. As roupas de antes que você guardou retomam às vezes o mesmo corpo, mas não a mesma pessoa. Talvez elas ainda te sirvam, ou não, mas não imprimem o que você quer. Na verdade você nem sabe direito com o que se sente bem mais. Com que roupa, com que cabelo. Mas chega uma hora que cansa tanto desencontro de si mesma.
Esse desencontro é tão comum. As mulheres depois que são mães são encorajadas muitas vezes a se apagarem. As que se afirmam e se expressam livremente, com ideias contrárias aos valores do patriarcado, sofrem muitas repressões cotidianas. De todos os lados. Afinal, poucas pessoas se deixam pensar diferente e refletir sobre seus preconceitos.

Eu senti isso depois de ser mãe. Se já tinha ideias feministas antes, depois elas se concretizaram mais ainda. A opressão parece que duplica. Mas a força interna quadriplica.

E aí veio ela, minha mãe. Tinha mais de um ano que não pensava sobre o que vestia. Sabia que não tava legal, mas não sabia também como seria. Saí uma ou duas vezes pra comprar roupa pra mim e saía com várias roupas pra Cauã. Chegou pra mim e me deu um shortinho jeans, bem curto. Vesti e me senti nua. Acho que nunca tinha usado algo tão curto na minha vida. Ela me encorajou e eu saí com ele. Demorou até eu me acostumar. Às vezes penso que até eu mesma precisava desconstruir a ideia de ser mãe dissociada da de ser mulher.

E foi libertador. Daí pra frente, fui me reencontrando. Mas não tanto. Foram doses homeopáticas nesses quase dois anos. Definitivamente posso dizer que os grandes catalisadores foram as possibilidades que tive de estar em círculo com mulheres e de estar junto de grandes mulheres amigas. É uma coisa incrivelmente fortalecedora estar compartilhando com mulheres.

Se você é mulher e mãe, recomendo fortemente que tenha um grupo de amigas mães também. É incrível como nos fortalecemos e nos curamos umas às outras. Não precisa de assunto pré-estabelecido, de ritual, símbolos nem nada. Basta estar de alma e coração junto pra crescer. Ontem nos reunimos mais uma vez, depois de muito tempo. Fizemos um escambo – levamos coisas do guarda-roupa que queríamos doar. Trocamos, damos e recebemos. E nos reecontramos nos fortalecendo, como sempre.

Muitas vezes a vestimenta está associada com a ideia de consumo e de superficialidade. Mas ela pode não estar também. Já pensou como a história da indumentária e a revolução feminista andam lado a lado? Ou como o momento histórico de uma sociedade pode ser muito bem compreendido pelas roupas que se usam? Por exemplo, na segunda guerra mundial, na França e na Alemanha a paleta de cores das roupas eram escuras. Os tecidos, grossos. Os sapatos, grosseiros. Porque era isso que a sociedade estava vivendo: escassez, rigidez e tristeza.

Na vida a vestimenta pode aparecer como fator auxiliar pro desenvolvimento de auto-confiança, auto-conhecimento. É isso que vem acontecendo comigo e com minhas amigas de jornada. Estamos nos reecontrando, nos reconhecendo depois de tanto nos afastarmos de nós mesmas. E quando a gente se reencontra, a gente se fortalece. Quando a gente compartilha, fica mais leve.

Sabe, hoje acordei diferente. Vesti a calça que peguei de uma amiga ontem no escambo, coloquei um sapato que não usava há cerca de 3 anos, botei um lenço na cabeça e me senti linda. Muito provavelmente não pelas coisas que me adornavam, mas pelo que o encontro prévio me proporcionara: um sorriso na alma e mais coragem para cumprir minha missão.

Estar em círculo com mulheres é um presente.

Estar em contato com nosso interior é uma sabedoria.

Poder compartilhar a jornada faz ela mais leve, e incrivelmente mais prazerosa!  

Que a energia feminina universal esteja conosco, sempre, nos lembrando do nosso poder criador!

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Minimalismo: menos é melhor

Lembra que postei um texto do Leo Babauta sobre minimalismo e publicidade? Hoje retomo esse assunto, que tem mudado a minha vida.

Tudo começou quando comecei a estudar sobre o método Montessori. Tudo o que eu lia dizia que era absolutamente essencial que estivéssemos atentos aos tipos de estímulos que dávamos às crianças. Isso através dos materiais que oferecemos, da decoração que colocamos, do que dizemos e fazemos na frente delas. E aí confesso que ficava um pouco incomodada com isso. Li textos muitos bons sobre a importância de ambientes “clean” (no sentido estético, além de higiênico, da palavra), mas o conceito não entrava no meu coração. Para mim, a ideia de um ambiente minimalista não era nada aconchegante. O que era aconchegante pra mim era algo assim:
Aí, um belo dia uma amiga muito querida anuncia sua mudança pro Canadá e diz que não pode levar nada. Confesso que fiquei congelada só de pensar na ideia de ter que ir pra um lugar e levar só uma mala. Ela tem uma filha de um ano e pouco. Tentei me colocar no lugar dela algumas vezes... e fui ficando bastante incomodada. Sentei no sofá (que era da casa dela, inclusive) da minha casa e fiquei parada, pensando. O que tinha ali que eu daria? O que tinha na minha casa que era realmente essencial? Se eu precisasse mudar pro Canadá, o que eu levaria?

E comecei a me descongelar. Comecei a me ceder pro desapego e me despir do medo. Comecei a perceber que aquilo era muito coerente com viver conscientemente.

Aí fui fazer minha leitura do ZenHabits, que sempre me revigora, e PÁ, um texto sobre minimalismo. Sabe, o Leo, autor desse blog, tem SEIS filhos. Eu juro que inicialmente, pra não sair da minha zona de conforto, pensei, ah! Mas eu tenho criança... não dá pra ser minimalista com criança.

Mas dá. Se com seis crianças dá, imagina com uma.

Comecei a perceber como era absurdamente presente na minha vida coisas sem uso e como aquilo atrasava minha vida. E comecei a me aterrorizar diante da ideia de passar esses valores pro Cauã. Coisas que nem eu mesma percebia! Então, conversei com o companheiro (que já era minimalista na essência) e ele topou. O desafio maior seria (e ainda é) pra mim, eu sabia.

Comecei cômodo por cômodo. Tem cerca de 4 meses que estou nesse processo. Já tirei mais de 10 sacos enormes de coisas pra doar e de lixo. E a coisa começou a me dar gosto. Sabe, parar em um ambiente e ficar refletindo sobre as coisas que tem nele e ver o que realmente tem uso pra se desapegar é uma atividade para lá de terapêutica. Já chorei bastante, me apeguei e desapeguei, desapeguei e apeguei de novo(mas já tinha dado e tive que desapegar). Vendemos alguns móveis, completamente inúteis ou acumuladores de coisas desnecessárias. E então percebi uma coisa maravilhosa.

Percebi que com menos, se tem muito mais. Muito mais tempo, mais espaço, mais liberdade. Fica muito mais fácil de manter as coisas organizadas, limpas. Poxa, que merda de necessidades criadas que eu tinha (e ainda tenho) e não sabia! Confesso que hoje, se tivesse que mudar pro Canadá sem nada, seria algo muito menos doloroso do que quatro meses atrás.

O Minimalismo não é se livrar de tudo. Não tem regras, na verdade. Trata-se apenas de avaliarmos o que realmente é essencial em nossas vidas, e se livrar do resto. Para mim foi mais uma forma de viver ativamente, refletindo sobre as coisas da minha casa, as coisas que compro (realmente preciso delas?). Praticar o desapego. Está muito relacionado com outros movimentos de viver conscientemente como o yoga, o veganismo e o movimento pela humanização do parto.

E lembro do que li no blog daSandra (recomendo fortemente) sobre ser como a tartaruga. Li aquilo e achei tão bonito. Ela é de Natal mas já morou em diversos lugares no exterior. Continua morando por lá. Perguntaram pra ela se não era muito difícil viver assim, longe da família e tal. Ela disse que ela é como a tartaruga, a casa dela vai com ela pra onde ela for. Entendi essa casa não como as coisas materiais, mas os sentimentos e memórias que ela leva sempre, independentemente de onde estiver.

Um desafio ser como as tartarugas...

E se você quer saber rapidamente mais sobre Minimalismo, dá uma olhada nesse vídeo aqui (em inglês com legenda em espanhol), é muito bom para refletir: