Demorei um tempo pra olhar pra você mais a fundo. Conhecer seu traçado, sua cor, seu endereço. Era muito doloroso olhar. Passei um tempo te olhando de relance, assim, de vez em quando, às vezes pega de surpresa por um descuido ao passar em frente ao espelho. Na verdade eu te evitava. Depois que se tornou menos doloroso olhar pra você, resolvi te tocar. Foi esquisito, confesso. Vim com a mão dando toques tão leves que parecia que você se abriria a qualquer momento. Senti sua textura, sua altura. Chorei. Senti um frio na barriga, uma leve agonia. Lembrei que você me acompanharia pelo resto da vida. Não gostei. Não gostei do que vi nem do que senti nem do que lembrei. Aí, conhecendo seu endereço e vestimenta, resolvi me perder de você. Passei um tempo sem te olhar, sem te ter. Até que esbarrei com você de novo. Fui abotoar uma calça e num descuido o dedo passou por você. Senti, vi, lembrei. Não gostei. Imaginei pegar uma borracha e apagar esse traçado. No processo contínuo de lidar com você conheci outras mulheres que lidam com suas cicatrizes também. A sensação de impotência parece comum. Uma pena. Resolvi então que tinha que conversar com você porque deixar as coisas assim, mal resolvidas, não ia dar. Você me mostrou que o livre arbítrio do ser Humano tinha feito de você um carimbo em muitas mulheres brasileiras. Triste fim o seu, ser usada assim, tão desnecessariamente. Em um dia em que me sentia bem, resolvi fazer diferente. Olhei pra você, te toquei, chorei, senti agonia, impotência. Pensei que você parecia um sorriso, só que não era. Respirei fundo, olhei pra cima com a mão sobre você e pensei: Será que vai ser sempre assim? Respondi: Não precisa ser assim. A tristeza quando você existe pra mim continua existindo, só que decidi fazer algo diferente com ela. Decidi que ao invés de abaixar a cabeça eu vou levantar. A gente vai continuar lidando, uma com a outra, tentando se entender. Mesmo me esfriando a barriga quando olho meu amor maior e penso que poderia ter sido diferente pra ele e pra mim. Mesmo assim. Mesmo voltando no tempo e pensando o que podia mudar, o que podia fazer o que podia... O que podia, não se pode mais. E a gente vai se entendendo, quem sabe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário