Depois de ir à
pré-estreia do Renascimento do Parto, em João Pessoa, algumas
pessoas me “cobraram” uma resenha sobre o filme, queriam saber
como tinha sido a experiência e eu, que falo bem pouco sóquenão
(principalmente quando o assunto é parto) resumia dizendo que tinha
sido maravilhoso!
De fato, o é. Mas é
bem mais que isso. Tem mais de uma semana que vimos o filme, e desde então, sigo digerindo muitas coisas.
Fomos marido, eu e baby
ver o filme. Cauã dormiu o filme todo (uma pena que acordou no
debate reclamando silêncio). Eu e o marido vivemos intensamente o
filme. Nos emocionamos muito.
Não consegui dormir
direito na noite depois do filme. Ficava me revirando, repensando,
revivendo o nosso não parto. Durante o filme segurei a onda no choro
com receio de acordar Cauã. A vontade que deu e que já tinha me
dado muitas outras vezes era de voltar no tempo, mandar as médicas
que fizeram terror psicológico comigo (“41 semanas com esse
líquido? Você precisa ir ver sua obstetra AGORA, é bem
preocupante” mesmo com um bem estar fetal) irem pra merda. Não, na
verdade eu não iria em médico nenhum. Ia ficar em casa esperando a
hora em que ele dissesse que estava pronto. Mas talvez eu não
estivesse preparada pra tamanha pressão que é de todos que nos
cercam passar das 40 semanas de gestação. Tanto que eu nem tinha
coragem de falar direito com minha doula. Eu sabia que ela iria me
puxar pra realidade, mas diante do contexto, me aterrorizei, junto
com marido e mãe, diante da possibilidade de causar sofrimento ao
meu filho (hoje com a informação que tenho, sei que estava tudo bem
e que poderíamos seguir monitorando o bebê). É isso, me senti
refém. E o que eu vinha lidando desde o nascimento em doses
homeopáticas veio muito em uma dose única depois de ver o filme.
Lembro que depois que
Cauã nasceu, eu passei algum tempo sem crer na humanidade. O mundo
me pareceu por algum tempo um lugar muito hostil. Simplesmente me
parecia impossível tamanha frieza diante de um ato como o
nascimento, tamanha violência com a mãe e bebê separá-los, fazer
procedimentos sem questionar, dentre outras coisas que vivenciei.
Flashes vinham e iam na minha mente da tremedeira do pós-cirúrgico,
do abandono na sala de recuperação, das mãos amarradas, de terem
dado leite artificial quando pedimos que não o fizessem, da
incapacidade de me dedicar à minha cria como queria, do silêncio da
obstetra ao testemunhar a grosseria do anestesista comigo e com meu
marido, da técnica em enfermagem mexendo na minha virilha espremendo
pêlo encravado sem me perguntar... Em meio a tantas coisas ruins, me
veio o cheiro, a textura da pele do meu bebê, do meu rosto
esfregando o dele por microsegundos, do choro que se interrompeu
quando ele escutou minha voz, do olhar que ele me deu pela primeira
vez. Ver as cenas das mulheres parindo seus bebês de maneira tão
respeitosa me reacendeu mais ainda a fé na humanidade. Depois de
algum tempo vivendo o luto do nosso não parto, comecei o Movimentopela Humanização do Parto e do Nascimento em Natal junto de outras
mulheres que também foram violentada durante o nascimento de seus
filhos. Simplesmente eu não poderia silenciar diante dessa realidade
violenta. E esse Movimento foi me alimentando de esperança em
mudanças possíveis.
Entender como o modelo
de assistência é perverso com as mães e bebês me ajudou a
entender o nascimento do meu filho. E esse filme é tão poderosa
ferramenta de mudança de consciência que eu me pego pensando em
como vai ser lindo quando as sementes por ele plantadas encherem
bosques. As pessoas podem até não sair modificadas imediatamente
após assistir. Mas que elas devem passar algum tempo digerindo o que
viram, repensando condutas e pensamentos.... ah vão! E quem disser
que passou imune por esse filme eu desconfio de tamanha
insensibilidade. Não estou falando só para as gestantes ou mães ou
wannabe mães. O Renascimento é pra todo mundo, afinal, se trata da
sensibilidade da Humanidade.
Eu posso dizer que saí
muito mais forte do que entrei naquele cinema. Mais forte pra peitar
os profissionais contrários à humanização, pra lutar pelas e com
as mulheres pelo respeito que nos é direito, pra lutar para que
bebês sejam respeitados e para que o sofrimento de ninguém seja
naturalizado e silenciado. Mais forte pra viver o meu parto. Sou
eternamente agradecida aos criadores pela possibilidade de vi(ver)
algo tão lindo.
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