domingo, 22 de março de 2015

O desconforto e o que aprender com ele

             Durante a vida passamos por muitos desconfortos. Físicos, emocionais, sociais. Vivemos um eterno reacomodar. Ou deveríamos, pelo menos. Afinal, perceber o desconforto e fazer alguma coisa para muda-lo é de fato algo que nos proporciona movimento e aprendizado.
            O que fazemos com o desconforto no dia-a-dia diz muito de nossas escolhas, valores e como encaramos a vida. Se logo que percebemos uma situação desconfortável fugimos dela ou então se a qualquer desconforto físico ingerimos qualquer substância para calar o organismo, provavelmente buscamos uma fuga do diálogo essencial a que os sintomas nos convidam e que poderiam auxiliar a gente a superar e a modificar pensamentos, atitudes e sentimentos.       
            Na gravidez as coisas se tornam um pouco mais intensas. O que gestamos ao longo da vida aparece logo na maneira como surgem e como lidamos com os desconfortos de se reacomodar a mudanças tão bruscas e cotidianas em um curto espaço de tempo. Nesses nove meses podemos construir uma nova maneira de ser, de se ver.
            E é aí que eu faço um convite para gestarmos de forma ativa. Gestar não deveria ser apenas o desenvolvimento físico de alguém em nossos ventres. Gestar é um processo constante da vida, afinal, nosso poder criador pode ser exercido agora e a qualquer momento. Porém o gestar de uma pessoa se torna um momento sublime, de grande potencial transformador para nós mesmos e para nossa sociedade. Gestar ativamente alguém em nossos ventres envolve o gestar de nós mesmas e de nossas relações com o mundo, com o bebê, com o corpo, mente e emoção. E é aí que o desconforto pode ser um grande aliado no desenvolvimento pessoal e espiritual.
            Na gravidez muitas mudanças físicas ocorrem em um curto espaço de tempo. Mudanças hormonais, emocionais, físicas, de equilíbrio, de sentidos. Cada gestação tem a sua peculiaridade exatamente porque é impossível viver o mesmo momento duas vezes, afinal trata-se de circunstâncias e de pessoas diferentes. No gestar ativo a meditação, a auto-observação e o diálogo contínuo com o corpo, mente e bebê fazem a diferença para que seja uma experiência fortalecedora e não vitimizadora. Além de começar a construção do vínculo mãe e bebê.
            Quando falo de vitimizadora me refiro ao fato de para muitas pessoas, favorecido pelo contexto patriarcal, a gravidez ser vista como um momento de fragilidade, e não de força. Particularmente nessa gravidez, me sinto muito conectada e com uma força interior que eu desconhecia, mas que percebo que sempre esteve lá. Os desconfortos físicos que aumentam com o decorrer da gestação servem como ferramentas para desacelerar mente e corpo, voltar para si, se conectar para o processo do parto.
            Ah, o parto. Cheio de desconfortos para umas, de orgasmo para outras. Carregado de histórias de nossas vidas e de nossas ancestrais. De como lidamos com muitos aspectos, dentre eles, os desconfortos físicos cotidianos, nossas incertezas e certezas, nossa auto-confiança. Os processos de gestar e parir ativamente são profundamente fortalecedores. Propiciar para mulheres e bebês experiências positivas nesses processos é algo que toda sociedade deveria perceber como algo essencial para melhorarmos nosso planeta. Afinal, o impacto de como nascemos tem um impacto em como nossa sociedade se desenvolve. Desde quando o bebê está na barriga até os três anos de vida formam-se imprints que são essenciais para a formação da personalidade, para o exercício da compaixão e do amor ao invés da violência.
            A maneira como nascemos atualmente diz muito sobre a maneira como vivemos e encaramos a vida. Ocidental, esterilizada, industrializada. Sem conexão verdadeira, interior. Sem desenvolvimento pessoal, fortalecedor. Sem muitas reacomodações, saídas das zonas de conforto. Uma gestação pode ser um convite à reflexão do que você tem gestado ao longo de sua vida. Um parto pode ser um convite ao despertar para sua força interior, ao milagre da vida.
Foto: Lisa Dawn Angerame
            Encarar o desconforto como ferramenta de trabalho cotidiano faz toda a diferença para como viveremos a vida. Trata-se de escolhas, cotidianas. Uma construção eterna e nem sempre tão prazerosa que nos conecta com o todo, com o nosso potencial real, eu superior, ou como goste de chamar isso tudo que se refere a nossa essência. Uma coisa é certa: não podemos negar nossa responsabilidade enquanto criadores e mantenedores da realidade em que vivemos. Tomar consciência e fazer escolhas mais sensíveis à nossa essência de unicidade é o mais coerente que podemos fazer para jogar o manto do despertar em mais pessoas para a construção de uma nova (e melhor) realidade.


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