Durante a vida passamos por muitos desconfortos. Físicos,
emocionais, sociais. Vivemos um eterno reacomodar. Ou deveríamos, pelo menos.
Afinal, perceber o desconforto e fazer alguma coisa para muda-lo é de fato algo
que nos proporciona movimento e aprendizado.
O que fazemos com o desconforto no dia-a-dia diz muito de
nossas escolhas, valores e como encaramos a vida. Se logo que percebemos uma
situação desconfortável fugimos dela ou então se a qualquer desconforto físico
ingerimos qualquer substância para calar o organismo, provavelmente buscamos
uma fuga do diálogo essencial a que os sintomas nos convidam e que poderiam
auxiliar a gente a superar e a modificar pensamentos, atitudes e sentimentos.
Na gravidez as coisas se tornam um pouco mais intensas. O
que gestamos ao longo da vida aparece logo na maneira como surgem e como
lidamos com os desconfortos de se reacomodar a mudanças tão bruscas e
cotidianas em um curto espaço de tempo. Nesses nove meses podemos construir uma
nova maneira de ser, de se ver.
E é aí que eu faço um convite para gestarmos de forma
ativa. Gestar não deveria ser apenas o desenvolvimento físico de alguém em
nossos ventres. Gestar é um processo constante da vida, afinal, nosso poder
criador pode ser exercido agora e a qualquer momento. Porém o gestar de uma
pessoa se torna um momento sublime, de grande potencial transformador para nós
mesmos e para nossa sociedade. Gestar ativamente alguém em nossos ventres
envolve o gestar de nós mesmas e de nossas relações com o mundo, com o bebê,
com o corpo, mente e emoção. E é aí que o desconforto pode ser um grande aliado
no desenvolvimento pessoal e espiritual.
Na gravidez muitas mudanças físicas ocorrem em um curto
espaço de tempo. Mudanças hormonais, emocionais, físicas, de equilíbrio, de
sentidos. Cada gestação tem a sua peculiaridade exatamente porque é impossível
viver o mesmo momento duas vezes, afinal trata-se de circunstâncias e de
pessoas diferentes. No gestar ativo a meditação, a auto-observação e o diálogo
contínuo com o corpo, mente e bebê fazem a diferença para que seja uma
experiência fortalecedora e não vitimizadora. Além de começar a construção do vínculo
mãe e bebê.
Quando falo de vitimizadora me refiro ao fato de para
muitas pessoas, favorecido pelo contexto patriarcal, a gravidez ser vista como
um momento de fragilidade, e não de força. Particularmente nessa gravidez, me
sinto muito conectada e com uma força interior que eu desconhecia, mas que
percebo que sempre esteve lá. Os desconfortos físicos que aumentam com o
decorrer da gestação servem como ferramentas para desacelerar mente e corpo,
voltar para si, se conectar para o processo do parto.
Ah, o parto. Cheio de desconfortos para umas, de orgasmo
para outras. Carregado de histórias de nossas vidas e de nossas ancestrais. De
como lidamos com muitos aspectos, dentre eles, os desconfortos físicos
cotidianos, nossas incertezas e certezas, nossa auto-confiança. Os processos de
gestar e parir ativamente são profundamente fortalecedores. Propiciar para
mulheres e bebês experiências positivas nesses processos é algo que toda sociedade
deveria perceber como algo essencial para melhorarmos nosso planeta. Afinal, o
impacto de como nascemos tem um impacto em como nossa sociedade se desenvolve.
Desde quando o bebê está na barriga até os três anos de vida formam-se imprints
que são essenciais para a formação da personalidade, para o exercício da
compaixão e do amor ao invés da violência.
A maneira como nascemos atualmente diz muito sobre a maneira
como vivemos e encaramos a vida. Ocidental, esterilizada, industrializada. Sem
conexão verdadeira, interior. Sem desenvolvimento pessoal, fortalecedor. Sem
muitas reacomodações, saídas das zonas de conforto. Uma gestação pode ser um
convite à reflexão do que você tem gestado ao longo de sua vida. Um parto pode
ser um convite ao despertar para sua força interior, ao milagre da vida.
Foto: Lisa Dawn Angerame |
Encarar o desconforto como ferramenta de trabalho
cotidiano faz toda a diferença para como viveremos a vida. Trata-se de
escolhas, cotidianas. Uma construção eterna e nem sempre tão prazerosa que nos
conecta com o todo, com o nosso potencial real, eu superior, ou como goste de
chamar isso tudo que se refere a nossa essência. Uma coisa é certa: não podemos
negar nossa responsabilidade enquanto criadores e mantenedores da realidade em
que vivemos. Tomar consciência e fazer escolhas mais sensíveis à nossa essência
de unicidade é o mais coerente que podemos fazer para jogar o manto do
despertar em mais pessoas para a construção de uma nova (e melhor) realidade.
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